20 de setembro de 2021
Cuidados Paliativos | Entrevista com o médico paliativista Vitor Carlos Silva
Acompanhe a seguir a entrevista que concedeu o médico paliativista Vitor Carlos Silva ao informativo da S.O.S. Vida. Ele aborda, entre outros assuntos, a importância do vínculo entre a equipe de cuidados paliativos, o paciente e familiares.
Destaca também o baixo conhecimento sobre o tema no Brasil, sobretudo na área de saúde, mesmo com algumas iniciativas isoladas de divulgação. O médico trata ainda da questão do Home Care, para ele uma importante alternativa de tratamento para pacientes com estabilização clínica e desejam ir para casa depois de uma experiência prolongada em unidades hospitalares.
Qual o conceito de cuidados paliativos?
Um paciente pode ser elegível a cuidados paliativos, o que é diferente de um doente em estado terminal. Cuidados paliativos são abordagens e ferramentas que profissionais de saúde utilizam para avaliar o paciente de uma maneira global, não só física, mas social, psicológica e espiritual, sendo aplicável a adultos e crianças. Geralmente são elegíveis indivíduos com doenças crônicas progressivas e também enfermidades sem possibilidade de cura, além das doenças agudas.
É bom deixar claro que não é a doença que define o campo de atuação do cuidado paliativo e sim a situação do indivíduo. Se temos um paciente em sofrimento, que pode ser de ordem física, psicológica e até mesmo social, o time de cuidados paliativos deve ser acionado. É uma equipe multiprofissional, formada por médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social e outros profissionais que podem ser agregados para aliviar a dor.
Quais são as doenças mais comuns elegíveis para cuidados paliativos?
No caso de doenças progressivas, temos a insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, cirrose hepática, insuficiência renal dialítica e as distrofias musculares, além de algumas doenças congênitas em crianças, e o câncer. Citei esta doença por último de propósito, pois o paciente oncológico geralmente é muito estigmatizado. O paciente com câncer se beneficia dos cuidados paliativos desde o diagnóstico, pela promoção de um espaço dedicado ao plano de cuidados que terá ao longo de sua jornada, em todos os momentos de necessidade clínica, e também em seu fim de vida.
No caso de doenças agudas, estou falando de um paciente que esteja na UTI sofrendo, mesmo que tenha uma enfermidade curável, como uma infecção respiratória, por exemplo. Nesses casos, o médico intensivista que estuda cuidados paliativos vai saber manejar melhor os remédios para a dor e a equipe de cuidados paliativos pode ser acionada para se comunicar melhor com os familiares e equipe. Quando o paciente está na UTI em fase aguda ele enfrenta situações de quase morte, o que eleva muito a necessidade de cuidados paliativos.
A comunicação é fundamental nesses casos?
Sim. É bom deixar claro que chamar uma equipe de cuidados paliativos não significa que o indivíduo vai necessariamente morrer. Somos chamados para tentar ajudar a família e o paciente a compreender todos os aspectos que envolvem aquela situação. É bem verdade que algumas doenças podem levar à morte e a comunicação dessas notícias difíceis, que são de grande impacto para pacientes e familiares, são amenizadas por técnicas específicas de abordagem. Por isso orientamos que todos os profissionais de saúde aprendam algumas competências de cuidados paliativos.
Mesmo o câncer não sendo uma sentença de morte, dentro da oncologia existem alguns tipos que demandam cuidados paliativos?
Existem alguns tipos de câncer que no diagnóstico já são elegíveis para uma equipe de cuidados paliativos. A Sociedade Americana de Oncologia preconiza, por exemplo, que paciente portador de tumor de pulmão estágio 4 metastático, tumores de cólon no mesmo estágio, câncer de pâncreas, próstata com metástase nos ossos e tumores cerebrais devem ser abordados por times multidisciplinares de cuidados paliativos.
Uma pessoa que detecta um câncer em estágio inicial precisa de uma equipe de cuidados paliativos?
Claro que para uma pessoa que descobre um câncer estágio inicial a prioridade é tratar, tentar achar uma possibilidade de cura para não evoluir. Mas desde o diagnóstico que todos os envolvidos vivem situações familiares e conjugais de sofrimento. Por que não um time de cuidados paliativos avaliar, ainda que com uma carga de atendimento menor?
Com o passar do tempo, se esse paciente tiver necessidade de outros procedimentos ou a doença progredir, a equipe de cuidados paliativos vai entrar mais frequentemente. Essa abordagem pode ser feita pelo próprio oncologista, que deve conhecer o assunto e, caso a situação se torne difícil, ele direciona o paciente para equipe de cuidados paliativos. Deve funcionar como uma parceria.
Em nosso trabalho, na Clínica AMO, há 6 anos temos prestado atendimento a pacientes e familiares sob um olhar coletivo, onde enfermeiras, psicólogas, nutricionistas, farmacêuticos e médicos planejam juntos as ações complementares à equipe assistente da oncologia e hematologia, no que denominamos Atenção Integral.
Em sua opinião, esse tema ainda é desconhecido?
Precisa haver mais informação sobre o assunto, mas já existe um movimento nos últimos cinco anos aqui no Brasil que tem mudado aos poucos essa realidade. Vou citar alguns exemplos, como o Dia Mundial de Cuidados Paliativos, que acontece na segunda semana de outubro. Existem ainda algumas ações voltadas para as redes sociais por parte da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, que é o maior representante do setor no Brasil. Já tivemos até uma novela abordando o tema: Bom Sucesso, estrelada por Grazi Massafera e Antônio Fagundes.
Existe ainda o movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), uma ação voltada para a experiência do paciente. Posso dizer, portanto, que o conhecimento aumentou bastante, mas poderia ser melhor. Todos os profissionais de saúde deveriam ter conhecimento do assunto e estamos muito longe disso, considerando que temos menos de 200 serviços de cuidados paliativos oferecidos no Brasil.
A Bahia tem tido incentivos por critério de acreditação e demandas de atendimento. Serviços de home care e hospitais privados, assim como instituições oncológicas, têm buscado certificação nessa área.
Leia também: Cuidados Paliativos em casa naturaliza processo de finitude e atenua sofrimento
Como o Sr. enxerga o home care nesse contexto?
Os cuidados paliativos estão dentro de todos os modelos de assistência: hospital, internação domiciliar, atendimento em hóspices, atendimento ambulatorial (consultórios) e hospital-dia. Depende do perfil do paciente. São atendidos em Home Care pacientes que acima de tudo desejam continuar em sua residência e isso tem relação com o desejo individual. É aquele paciente que passou por experiências prolongadas em hospital e que agora deseja ir para casa, mas precisa haver uma estabilização clínica.
É importante lembrar que a casa muitas vezes funciona como um templo para ele, onde há uma identificação com os objetos, com os cheiros, com as pessoas. É a história arraigada, é o núcleo familiar mais próximo. Além disso, o Home Care permite um maior acesso dessas pessoas para ajudá-lo, o que não seria possível no hospital. Eu entendo a residência como sagrada. O ideal seria se mais pacientes elegíveis a cuidados paliativos pudessem ficar mais tempo em seus domicílios.
Existem algumas doenças mais indicadas para Home Care em cuidados paliativos?
Sim. Pacientes em transição de cuidados para finalizar terapias em domicílio (como antimicrobianos, curativos, analgesia), mesmo que possuam boa funcionalidade e controle clínico, além daqueles acamados, totalmente dependentes de cuidados. Aquele doente que precisa de um cuidador 24 horas, de curativos e não consegue se locomover. Estou falando de indivíduos com demência avançada, com sequelas neurológicas graves, com distrofias musculares, com doenças degenerativas avançadas e pacientes oncológicos em estágios 3 e 4, que são candidatos a acompanhamento de fim de vida. Eles ficam muito bem em casa, sob atenção domiciliar.
Falando de fim de vida, como se dá essa comunicação?
Apesar de negarmos muitas vezes a morte, ela é um processo natural da vida. A gente nega porque gosta de viver. É possível conviver com uma doença crônica progressiva, basta ter uma atenção paliativa, um olhar ampliado do cuidado. O paciente pode seguir vivo, com qualidade de vida, por algum tempo e sem sentir dor. Cada doença tem a sua característica de terminalidade. Não conseguimos determinar o tempo de vida que resta para um indivíduo. Existem escores que vão nos ajudando de forma objetiva a definir o tipo de abordagem. Se eu perceber, por exemplo, que o paciente está perdendo função, precisando de mais cuidados e reinternando com frequência, ele vai precisar de uma atenção especial.
Acredito que a vinculação com a equipe é fundamental para diminuir essa ansiedade de fim de vida do paciente. Ele vai ficando seguro de que está sendo bem acompanhado e acolhido, que não está sozinho nessa jornada. Um enfermeiro amigo, mineiro e paliativista, Alexandre Ernesto Silva, usa uma expressão muito adequada: precisamos ser mais compassivos, estar empático com aquele paciente, mas realizando ações de maneira proativa. Você vai interpretar qual a necessidade dele, vai agir propondo soluções.
Muitas vezes ele precisa reduzir a carga de medicamentos. Quando existe esse vínculo, tanto o paciente quanto a família vão perceber que o profissional está ali de verdade.
Para finalizar, como a pandemia mudou a rotina em cuidados paliativos?
Logo no início alguns serviços foram cancelados por não podermos estar próximos, como os atendimentos de consultório. Depois de um tempo, passamos a executar as ações dentro dos protocolos. Os pacientes vinham para os consultórios seguindo as medidas de higiene, usando máscara, checando a temperatura e com distanciamento.
Foi preciso antecipar as discussões sobre as diretivas antecipadas, porque a COVID-19 é uma doença grave e que traz muitas vezes a necessidade de ventilação mecânica e internação em UTI e alguns pacientes elegíveis a cuidados paliativos já tinham deixado expresso o desejo de não serem intubados e nem reanimados, por exemplo. Portanto, por conta da pandemia, essa conversa precisou ser ampliada e registrada. Tivemos que tratar desse tema com os familiares de forma precoce.
É bom deixar claro que precipitar essas conversas não significa antecipar a morte. Muitas vezes o paciente esteve internado numa unidade, recebeu os mesmos cuidados não invasivos de pacientes com COVID-19, mas não foi submetido a procedimentos invasivos. Alguns faleceram e outros se recuperaram e foram para casa.
Promover um plano avançado de cuidados vem a facilitar as ações propostas pela equipe, mas também respeitando os valores do paciente.