11 de maio de 2021
Impactos psicológicos da pandemia em idosos
Especialista em psicogeriatria destaca como a crise gerada pela Covid-19 impactou os idosos.
O médico psiquiatra Cássio Silveira concedeu entrevista ao informativo da S.O.S. Vida abordando, entre outros assuntos, os efeitos da pandemia entre os idosos.
Especialista em psicogeriatria, ele destaca como a crise gerada pela COVID-19 impactou esse público, que está há quase um ano confinado em casa, com a rotina totalmente alterada. Acompanhe a seguir a entrevista.
De que forma a pandemia repercutiu em seus pacientes?
Tenho experiência em acompanhar pacientes idosos, em especial aqueles que têm demência e comorbidades, com comprometimento cognitivo. Com a pandemia, percebi uma queda muito grande da funcionalidade, uma diminuição nos escores de cognição, a partir de um exame chamado mini mental. Esse teste avalia, de forma rápida, a função cognitiva de uma pessoa.
Um indivíduo perde geralmente um ou dois pontos por ano, mas depois da crise sanitária eu tive pacientes que perderam até cinco pontos. Isso mostra como a privação de estímulos cognitivos e de socialização comprometeram a qualidade de vida desse público. No subgrupo de pacientes que têm algum tipo de demência ou comprometimento cognitivo, isso foi ainda mais relevante.
Esses pacientes tinham antes uma vida social ativa?
Exato. Uma das medidas de controle da pandemia foi o isolamento social dos idosos porque eles são grupo de risco para a doença. Parece pouco, mas aquela rotina que eles tinham de comprar o pão da casa, conversar com o porteiro, encontrar amigos para dar um passeio na praça, terminou de forma abrupta.
Não questiono a necessidade dessas medidas de isolamento, mas precisamos nos atentar para uma consequência psicológica considerável e percebo isso na prática.
Os idosos estão procurando cada vez mais os consultórios, ansiosos, deprimidos. A vacina está chegando, o que é bom, mas depois que tudo isso passar teremos outro desafio: lidar com as consequências psicológicas que a pandemia vai gerar.
O Sr. poderia citar exemplos dessas consequências?
O aumento da ansiedade e da depressão e já vemos isso hoje, mas depois da pandemia esse cenário deve se agravar. Os idosos que procuram meu consultório estão muito preocupados em adoecer e também com seus familiares.
Essa pandemia tem uma característica sui generis. Nas grandes crises que a humanidade passou, as pessoas se uniam, davam as mãos, um ajudava o outro. Com essa pandemia, as pessoas estão com medo de se tocar, cada vez mais afastadas.
O que é recomendável para um idoso que está tendo esse comprometimento cognitivo?
Antes de tudo ele precisa ser avaliado. Vale lembrar que comorbidades clínicas, como diabetes, hipertensão doenças renais, não estavam sendo tratadas por conta da pandemia. Ou seja, muitos problemas clínicos estão emergindo porque os idosos se recolheram em casa.
No que diz respeito à psiquiatria, o primeiro passo é uma análise criteriosa, antes de prescrever uma medicação.
Até porque muitos casos de depressão e ansiedade não têm indicação. Para casos mais graves sim, mas com o idoso é preciso ser ainda mais criterioso. Isso porque os efeitos colaterais de uma medicação nesse público são mais graves do que numa pessoa jovem.
No caso de profissionais de saúde que estão na linha de frente de combate à Covid-19, como está sendo essa realidade?
Atendo colegas que estão física e psicologicamente esgotados. Existe uma síndrome que infelizmente tem sido cada vez mais comum em profissionais de saúde, que é a Síndrome de Burnout, ou do esgotamento físico e mental do profissional.
Ocorre quando ele é exposto a uma carga de trabalho exagerada ou com grande responsabilidade. Isso leva o indivíduo a ficar mais irritado, impaciente e não consegue dormir adequadamente, dentre outros sintomas.
Mesmo quando ele se afasta do ambiente de trabalho, não consegue se desligar totalmente. Precisa de tratamento psicoterápico e às vezes farmacológico.
No caso de pacientes em Home Care, como tem sido a abordagem do ponto de vista psiquiátrico?
O Home Care é um atendimento mais completo, na medida em que podemos prestar uma assistência domiciliar em pacientes que não conseguem ser atendidos em ambulatório.
É uma abordagem multidisciplinar que atende o indivíduo como um todo e favorece a desospitalização. Um paciente hospitalizado tem mais possibilidade de ter complicações.
Se ele foi devolvido ao lar precocemente, as sequelas psicológicas são atenuadas. Existe uma complicação chamada “delirium”, muito comum em pacientes idosos com hospitalização prolongada, que causa alucinações. Quando eles voltam para casa essa chance diminui.
O Sr. poderia citar algum caso de sucesso que atendeu em Home Care?
Sim. Uma paciente com mais de 80 anos que passou por hospitalização prolongada por conta de uma infecção respiratória e precisou ser traqueostomizada. Antes da doença, ela tinha uma autonomia muito grande e era bastante ativa.
Progressivamente foi perdendo essa autonomia. O retorno dela para o lar com limitação de movimentos fez com que desenvolvesse um quadro depressivo. Os medicamentos antidepressivos, junto com a reabilitação feita pelas equipes de fisioterapia, enfermagem e fonoaudiologia, restabeleceram as funcionalidades da paciente, que voltou a andar, comer e beber sem auxílio. Hoje ela é totalmente independente.