8 de outubro de 2021
Avaliação de fatores de risco para desenvolvimento de pneumonia broncoaspirativa em pacientes de Home care

A pneumonia por aspiração é um tipo de infecção associada aos cuidados de saúde e uma das principais causas de morte entre as populações em envelhecimento.
O estudo Risk factors for aspiration pneumonia in home care patients publicado pelo International Jornal of Development Research (IJDR), avaliou os fatores de risco na pneumonia aspirativa em pacientes em home care.
Coordenado pela infectologista da S.O.S. Vida, Monique Lírio, o estudo envolveu o acompanhamento de 89 pacientes assistidos no domicílio.
“Um dos fatores que associados ao risco de desenvolver pneumonia aspirativa aumento foi a presença de distúrbios neurológicos, além do uso de medicamentos que podem alterar o nível de consciência”, explica Monique Lírio.

Participaram do estudo Diego de Senna Gabeto, Monique Lírio Cantharino de Carvalho, Juarez Pereira Dias, Rosemary Soares Teles, Áurea Angélica Paste e Gleide Regina de Sousa Almeida Oliveira.
Confira o artigo completo.
Risk factors for aspiration pneumonia in home care patients
Avaliação de fatores de risco para desenvolvimento de pneumonia broncoaspirativa em pacientes de Home care
A assistência domiciliar a saúde, que vem do inglês “Home health care”, por definição consiste na modalidade de atenção à saúde integrada às Redes de Atenção à Saúde (RAS), caracterizada por um conjunto de ações de prevenção e tratamento de doenças, reabilitação, paliação e promoção à saúde, prestadas em domicílio, garantindo continuidade de cuidados. Essa prática tem como principais objetivos: Evitar a permanência prolongada de pacientes internados, reduzir a demanda hospitalar e ampliar a autonomia dos usuários, através da humanização do serviço de saúde1.
Além disso, está centralizado, principalmente no paciente e na sua família, levando em conta o seu contexto domiciliar, o cuidador e a equipe multiprofissional. Essa modalidade surge na tentativa de atender as novas necessidades da população devido principalmente ao envelhecimento da mesma e mudança do seu perfil epidemiológico, que demonstra um aumento na prevalência de doenças crônico-não transmissíveis. Esse tipo de serviço pode apresentar diversas vantagens para o paciente, dentre algumas delas: um atendimento com uma maior individualização e humanização, garantindo maior privacidade, conforto e uma maior integração entre a equipe profissional e o paciente e sua família, o que é de suma importância para um atendimento adequado².
No Brasil, essa prática surgiu no ano de 1960 e, inicialmente, foi criada para reduzir o número de leitos ocupados no Hospital do Servidor público de São Paulo e começou a se expandir de fato na década de 1990. Com isso, tornou-se necessária a regulamentação do seu funcionamento, para que a mesma pudesse ser incorporada às práticas institucionalizadas no Sistema Único de Saúde (SUS)3. Desde então, os serviços de atenção domiciliar vêm se desenvolvendo e adquirindo um maior espaço pelo fato de diminuir a sobrecarga do sistema de saúde local, e assim, proporcionar um atendimento mais efetivo e eficaz4.
Apesar dos diversos benefícios apresentados pelo crescimento dos serviços de atenção domiciliar (SAD), algumas questões como a circulação e transição de profissionais de saúde entre o domicílio e o ambiente hospitalar, além da transferência de tecnologias e a utilização de dispositivos invasivos no âmbito domiciliar, estão inerentes a essa modalidade e merecem um cuidado maior. Isso se deve pelo fato de tais condições tornarem mais favorável ao desenvolvimento de infecções, que podem comprometer o processo terapêutico desses pacientes5.
No que tange aos serviços de “Home care”, a infecção domiciliar é aquela que ocorre em pacientes internados na Atenção Domiciliar (AD) e que não apresentavam sintomas, nem estava em incubação, no momento em que os cuidados foram iniciados. Ocorre cerca de 48 a 72 h após a admissão6. Sabe-se que o desenvolvimento de pneumonia broncoaspirativa está intimamente relacionada a presença de alguns fatores de risco, que tornam o indivíduo mais susceptível a isso. Dentre esses fatores pode-se destacar: alteração do nível de consciência, disfagia, êmese, uso de dispositivos para dieta enteral.
Além disso, algumas comorbidades como: Demência, Doença de Parkinson, esclerose múltipla, Acidente vascular cerebral (AVC) e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) podem levar a alterações do nível de consciência e distúrbios da deglutição, elevando o risco de broncoaspiração. Por fim, o uso de alguns dispositivos terapêuticos como traqueostomia e ventilação mecânica, além de algumas medicações sendo elas: Inibidores de bombas de prótons (IBP), antiácidos, antagonistas de receptores H2 da histamina e sedativos também apresentam uma relação relevante com o desenvolvimento dessa patologia7.
Diante disso, é de fundamental importância o conhecimento desses fatores de risco para pneumonia, com ênfase na pneumonia broncoaspirativa, considerada como infecção prevenível e de alta letalidade para, assim, estabelecer estratégias e planos mais eficazes no que diz respeito, principalmente, a prevenção dessa doença em pacientes no contexto de assistência domiciliar.
Desenho do estudo
Trata-se de um estudo descritivo de caso controle.
Área de estudo e população
Este estudo foi realizado em uma empresa que presta serviços de assistência domiciliar dividido em internação domiciliar (que pode ser de 6, 12 ou 24 horas) ou gerenciamento, para procedimentos mais pontuais. A empresa conta com um Serviço de Controle de Infecção Domiciliar que faz vigilância epidemiológica das infecções adquiridas pelos pacientes em todas as modalidades de assistência através de busca ativa através antimicrobianos prescritos e discussão dos casos com equipe assistencial. As taxas de infecção são calculadas mensalmente.
No presente estudo, foram avaliados todos os casos de pneumonia do ano de 2018.
Critérios de Inclusão:
Foram incluídos todos os pacientes com pneumonia no ano de 2018, cujos sintomas se iniciaram após 48h da admissão no “Home care”;
Critérios de Exclusão:
Foram excluídos do estudo pacientes já admitidos no serviço em vigência de tratamento de infecção, que desenvolvam o quadro com menos de 48h da admissão ou que apresentem concomitantemente infecção de outro foco.
Coleta e análise dos dados
Os dados foram coletados pelos pesquisadores através de prontuário eletrônico, utilizando um questionário para análise de prontuários (APÊNDICE A) e, posteriormente, armazenados em um bando de dados em Microsoft Excel® utilizados pelo Serviço de Controle de Infecção Domiciliar para monitoramento das infecções domiciliares. Foi definida como pneumonia broncoaspirativa aquela que se desenvolva após a evidência de entrada de grande quantidade de líquidos ou objetos contaminados vindos da boca ou estômago principalmente. Foram avaliados os seguintes fatores de risco: disfagia/disfunção na deglutição, alteração do nível de consciência, principais comorbidades de cada paciente, êmese, obstipação, distensão abdominal, presença de traqueostomia, uso de ventilação mecânica, gastrostomia e dietas enterais, além do uso de algumas medicações depressoras do sistema nervoso central (sedativos), antiácidos, inibidores de bombas de prótons (IBP) e antagonistas de receptores H2.
Os casos corresponderiam a todos os pacientes que desenvolveram pneumonia com broncoaspiração no ano de 2018. Já os controles, corresponderiam aos casos de pneumonia sem broncoaspiração do mesmo período. Cada caso seria então pareado com pelo menos 1 controle correspondente (de preferência 2) com semelhança por idade, sexo e trimestre que desenvolveu o episódio.
Análise estatística
As variáveis categóricas foram expressas em frequência absoluta e relativa através do cálculo dos percentuais. As variáveis contínuas com distribuição normal foram expressas em média e desvio padrão e aquelas com distribuição não normal, em mediana e intervalo interquartil. A normalidade das variáveis numéricas foi avaliada pelo Teste de Kolmorogov-Smirnov. Foi realizado teste de Qui quadrado para verificar significância estatística (p<0,05) dos fatores de risco em questão. Aqueles que apresentaram significância foram submetidos a regressão logística multivariada, para estabelecer algum tipo de correlação estatística entre os fatores de risco e o desfecho (broncoaspiração) e, assim, identificar a chance de ocorrência dos eventos (OR – Odds Ratio). Os dados coletados foram armazenados e consolidados para análise, utilizando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows versão 20.0. Os resultados foram apresentados em tabelas.
Considerações éticas
O projeto foi submetido para análise pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Couto Maia e aprovado sob o nº 3.046.218 em 02/11/2018. O estudo foi conduzido de acordo com a resolução do CNS 466 de 12 de outubro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde. As informações obtidas foram utilizadas para fins restritos da pesquisa e será garantida a confidencialidade dos dados, assim como o anonimato dos participantes. Após a análise dos dados os mesmos foram deletados da base de dados. Os pesquisadores se comprometeram a utilizar as informações obtidas somente para fins acadêmico e sua divulgação exclusivamente em eventos científicos.
RESULTADOS
Foram coletadas informações de 89 pacientes que desenvolveram pneumonia, sendo que destes, 33 fazem parte do grupo caso (com broncoaspiração) e 56 do grupo controle (sem broncoaspiração).
Com relação a população de casos, 18 (54,5 %) eram do sexo feminino e 15 (45,5 %) do masculino. A idade desses pacientes variou de 21 a 100 anos, com mediana de 82 (IIQ = 71,08 – 83,83) anos. As principais comorbidades foram de Demência, oito (25,8%), seguida de AVC prévio, sete (22,6%) e Doença de Alzheimer, cinco (16,1 %). Os meses de fevereiro, abril e maio foram os que tiveram maior número de casos, cinco (15,2 %). Em se tratando dos fatores de risco, os mais frequentes foram: disfagia, 26 (78,8%), êmese, 18 (54,5%), alteração do nível de consciência (GCS <12), 16 (48,5 %), distensão abdominal e obstipação, sete (21,2%) e seis (18,2%), respectivamente. Com relação ao uso de dispositivos, 16 (48,5%) estavam em uso de traqueostomia, dois (6,1 %) VMI, 21 (63,6%) gastrostomia e 27 (81,8%) dieta enteral. Dez (30,3%) estavam utilizando antiácidos, IBP ou antagonistas H2. Nenhum paciente estava sob uso de sedativos.
Já em relação aos controles, 33 (58,9 %) do sexo feminino e 23 (41,1 %) do masculino. A idade variou de 16 a 95 anos, com mediana de 82 (IIQ = 72,13 – 81,62) anos. As principais comorbidades desses pacientes foram: AVC prévio, 14 (25,0%), seguida de Demência, oito (14,3%) e DPOC, sete (12,5 %). O mês de abril foi o que teve maior número de casos, 11 (19,6 %), seguido de maio, oito (14,3%) e outubro, sete (12,5%). Os fatores de risco apresentados com maior frequência foram: disfagia, 45 (80,4%), Êmese, três (5,4%), alteração do nível de consciência (GCS <12), 9 (16,1 %), distensão abdominal e obstipação, 10 (17,9 %) e 15 (26,8 %), respectivamente. Com relação ao uso de dispositivos, 29 (51,8%) estavam em uso de traqueostomia, nove (16,1 %) VMI, 40 (71,4 %) gastrostomia e 45 (80,4%) uso de dieta enteral. Dois (3,6%) estavam utilizando antiácidos, IBP ou antagonistas H2, enquanto que três (5,4%) sedativos (Tabela 1).
Tabela 1- Número e percentual de fatores de risco do grupo caso e controle por sexo. Salvador, Bahia, 2019.
Casos | Controles | ||||||
Variável | Masculino | Feminino | Total | Masculino | Feminino | Total | |
% | % | n % | % | % | n % | ||
GCS<12 | 18,2 | 30,3 | 16 48,5 | 8,9 | 7,1 | 9 16,0 | |
Disfagia | 36,4 | 42,4 | 26 78,8 | 33,9 | 46,4 | 45 80,3 | |
Êmese | 30,3 | 24,2 | 18 54,5 | – | 5,3 | 3 5,3 | |
Distensão abdominal | 12,1 | 9,1 | 7 21,2 | 3,6 | 14,3 | 10 17,9 | |
Obstipação | 15,1 | 3 | 6 18,2 | 14,3 | 12,5 | 15 26,8 | |
Traqueostomia | 18,2 | 30,3 | 16 48,5 | 25 | 26,8 | 29 51,8 | |
Ventilação mecânica invasiva | – | 6,1 | 2 6,1 | 7,1 | 8,9 | 9 16 | |
Antiácidos, IBP ou antagonistas de receptores H2 de histamina | 12,1 | 18,2 | 10 30,3 | 1,8 | 1,8 | 2 3,6 | |
Dieta enterais | 39,4 | 42,4 | 27 81,8 | 35,7 | 44,6 | 45 80,3 | |
Sedativos | – | – | – | – | 5,3 | 3 5,3 | |
Gastrostomia | 27,3 | 36,4 | 21 63,7 | 30,3 | 41,1 | 40 71,4 | |
Legenda: GCS = Escala de coma de Glasgow, IBP = Inibidor de bomba de prótons.
Após análise pelo teste de Qui-quadrado (Tabela 2), apenas os fatores: Alteração do nível de consciência, êmese e uso de antiácidos, IBP ou antagonistas dos receptores H2 de histamina apresentaram relevância estatística (p< 0,05).
Tabela 2- Fatores associados à pneumonia broncoaspirativa, conforme análise pelo teste de Qui-quadrado. Salvador, Bahia, 2019.
Variável | Casos n % | Controles n % | Valor de P | ||||
GCS<12 | 16 (48,5%) | 9 (16,1%) | 0,001* | ||||
Disfagia | 26 (78,8%) | 45 (80,4%) | 0,859 | ||||
Êmese | 18 (54,5%) | 3 (5,4%) | 0,000* | ||||
Distensão abdominal | 7 (21,2%) | 10 (17,9%) | 0,697 | ||||
Obstipação | 6 (18,2%) | 15 (26,8%) | 0,356 | ||||
Traqueostomia | 16 (48,5%) | 29 (51,8%) | 0,764 | ||||
Ventilação mecânica invasiva | 2 (6,1%) | 9 (16,1%) | 0,166 | ||||
Antiácidos, IBP ou antagonistas de receptores H2 da histamina | 10 (30,3%) | 2 (3,6%) | 0,000* | ||||
Dieta enteral | 27 (81,8%) | 45 (80,4%) | 0,866 | ||||
Sedativos | – | 3 (5,4%) | 0,176 | ||||
Gastrostomia | 21 (63,6%) | 40 (71,4%) | 0,444 |
Legenda: GCS = Escala de coma de Glasgow, IBP = Inibidor de bomba de prótons, IC = Intervalo de confiança. *Estatisticamente significante
No modelo final, após análise multivariada por regressão logística, constatou-se apenas uma significância estatística, considerando P < 0,05, nos seguintes fatores de risco: Alteração do nível de consciência (GCS<12) e Uso de antiácidos, IBP ou antagonistas H2. Apesar de o fator êmese apresentar significância estatística, não foi incluído na regressão logística pelo fato de estar se apresentando como um fator de confusão para a análise dos diversos outros fatores. Nesse contexto, a disfagia que não se encaixou no critério de significância, foi incluída ao modelo de regressão logística, devido a sua plausibilidade biológica como fator de risco para o desfecho. No que diz respeito a esses quesitos, indivíduos com GCS<12 tiveram 5,293 (IC95% = 1,809 – 15,488) chances de desenvolver uma pneumonia broncoaspirativa. Já os que utilizaram das medicações descritas anteriormente, tiveram 13,037 (IC95% = 2,415 – 70,378) chances de desenvolver esse mesmo processo, sendo então fatores preditores independentes de associação para indivíduos com pneumonia broncoaspirativa (Tabela 3).
Tabela 3- Modelo final de regressão logística definindo os preditores independentes de pneumonia aspirativa. Salvador, Bahia, 2019.
Variável | Sig. | OR | IC 95% |
GCS<12 | 0,002* | 5,293 | 1,809 – 15,488 |
Disfagia | 0,500 | 1,562 | 0,427 – 5,709 |
Antiácidos, IBP ou antagonistas de receptores H2 da histamina | 0,003* | 13,037 | 2,415 – 70,378 |
Legenda: GCS = Escala de coma de Glasgow, IBP = Inibidor de bomba de prótons, Sig. = Significância, IC = Intervalo de confiança, OR = Odds ratio. *Estatisticamente significante
DISCUSSÃO
O estudo realizado foi de suma importância no que diz respeito ao conhecimento dos diversos fatores de risco que estão associados a ocorrência de pneumonia por broncoaspiração, levando assim ao desenvolvimento de protocolos e estratégias para a prevenção dessa infecção respiratória.
No que tange ao perfil socio demográfico da amostra em questão, os resultados mostraram que a população feminina e mais idosa foi mais acometida pela doença. Os extremos de idade apresentam uma certa fragilidade fisiológica em relação a população mais jovem, além de normalmente possuírem outras comorbidades associadas e estarem sob uso de diversos tipos de medicações, tornando-os mais suscetíveis ao desenvolvimento desse quadro infeccioso26.
Alguns estudos epidemiológicos apontaram que a incidência de pneumonia aspirativa aumenta de acordo com a idade, sendo que o risco para desenvolvimento desse quadro infeccioso era seis vezes maior em indivíduos com idade ≥ 75 anos, quando comparados com aqueles com idade < 60 anos18.
Um outro estudo evidenciou que a pneumonia broncoaspirativa é uma condição bacteriana bastante comum em indivíduos idosos e cerca de 90% das mortes por esse quadro ocorreram em indivíduos com mais de 65 anos27. Além disso, ainda em relação ao perfil da amostra utilizada, as comorbidades mais frequentes foram os distúrbios neurológicos, tais como: demência, AVC e doença de Alzheimer.
Através dessas informações, fica evidente a relação entre essas condições e o desenvolvimento de pneumonia broncoaspirativa, já que esses distúrbios prejudicam os mecanismos de defesa do indivíduo como o reflexo da tosse, disfunção no processo de deglutição e, até mesmo, comprometimento imunológico, os quais são fundamentais para evitar o surgimento de quadros infecciosos respiratórios14.Um estudo prévio realizado com 322 pacientes hospitalizados com o diagnóstico de PAC, validam esses dados, visto que revelou que a demência foi o principal fator de risco para o desenvolvimento desse quadro, em uma proporção de 5,26 vezes (IC95% = 2,30 – 12,03), com valor de p <0,001, após submissão a um modelo de regressão logística28.
Os resultados evidenciaram também uma associação significativa entre o desenvolvimento de pneumonia aspirativa e a presença de outros fatores de risco. No que se refere a significância estatística, apenas os fatores: Alteração do nível de consciência, êmese e uso de antiácidos, Inibidores de bomba de prótons (IBP) ou antagonistas de receptores H2 da histamina preencheram esse quesito.
Após serem submetidos a um modelo de regressão logística, apenas a alteração do nível de consciência e o uso de inibidores de bomba de prótons (IBP) ou antagonistas de receptores H2 da histamina demonstraram ser preditores independentes para pneumonia aspirativa (p <0,05), apresentando Odds Ratio na proporção de 5,293 (IC95% = 1,809 – 15,488) e 13,037 (IC95% = 2,415 – 70,378). Um estudo do tipo coorte realizado com uma amostra de 1348 pacientes, 186 foram diagnosticados com pneumonia, apresentando fatores de risco para aspiração. Desse grupo de casos, 81 (43,5%) apresentavam algum déficit neurológico associado (Doença de Parkinson, esclerose múltipla ou AVC), 55 (29,57%) com alteração do nível de consciência, seja pelas mais diversas causas (Hipoglicemia, uso de medicações como sedativos, IBP) e 35 com episódios de vômitos e disfagia. Essa frequência considerável de indivíduos com alteração do nível de consciência e episódios de êmese corrobora com os resultados trazidos pelo projeto, evidenciando que há sim uma associação entre o risco desenvolvimento de pneumonia broncoaspirativa e a presença dos fatores em questão29. No entanto, apesar da sua plausibilidade biológica, o fator êmese não foi adicionado ao modelo de regressão logística pelo fato de ter comprometido a análise das demais variáveis, apresentando-se como um fator de confusão.
Como citado anteriormente, o uso de medicações como IBP ou antagonistas de receptores H2 da histamina possui uma associação com o desenvolvimento de pneumonia por aspiração. Isso ocorre devido ao fato de esses fármacos atuarem na mudança do pH gástrico e alterarem a microbiota intestinal, o que pode facilitar a colonização de agentes patológicos e induzir diretamente o processo de infecção.
Uma revisão sistemática e meta-análise demonstrou que pacientes com idade superior a 65 anos submetidos a terapia com IBP estavam mais suscetíveis a desenvolverem PAC do que aqueles que não utilizaram essas medicações (OR 1,33; IC95% 1,13 – 1,58) e esse risco era ainda maior caso essa terapia durasse por menos de um mês (OR 2,10; IC95% 1,39 – 3,16)25. Esses dados corroboram com os resultados do estudo presente, havendo assim, uma associação importante entre o desfecho em questão e o uso de medicações para tratamento de condições gastrointestinais.
Em se tratando do parâmetro disfagia, isoladamente, apesar da análise não ter demonstrado distinção entre grupo caso e o grupo controle, estatisticamente falando, nota-se que esse fator aparece com uma frequência considerável em ambos os grupos, revelando ser um fator importante para o desfecho e que também apresenta uma plausibilidade biológica pertinente na literatura.
Em um estudo prévio, do tipo caso-controle, com pacientes idosos, houve uma prevalência desse fator de 91,7% no grupo caso (indivíduos com pneumonia) e 40,3% no grupo controle (indivíduos sadios). Além disso, a disfagia revelou estar fortemente associada ao desenvolvimento de PAC, independente das comorbidades e funcionalidade (OR 11,9; IC 95% = 3,03 – 46,9)30. Percebe-se, então, que os dados apresentados por esses estudos anteriores não ratificam os resultados encontrados no estudo presente. Isso pode ter sido ocasionado pelo fato de ambos os grupos (casos e controles) do atual projeto serem portadores de pneumonia, diferindo apenas no fato de um ser com aspiração e o outro sem aspiração. Nesse contexto, não houve diferença estatística significante, sendo então a disfagia um fator de risco para desenvolvimento de pneumonia de uma forma geral.
Como limitações desse trabalho, pode-se destacar a questão do diagnóstico de pneumonia broncoaspirativa depender de uma história clínica, na qual esteja evidente um episódio de macroaspiração, associado a presença de alguns fatores de risco já mencionados. Nesse contexto, o diagnóstico foi baseado no raciocínio clínico realizado pelo médico que acompanhava os pacientes naquele momento e registrado em prontuário de acordo com o seu próprio conhecimento, o que pode estar sujeito a vieses.
Além disso, o tamanho da amostra do estudo presente, quando comparado a de outros previamente realizados, pode ser considerada pequena. Por esse motivo, grande parte dos fatores de risco analisados nesse trabalho não demonstraram uma diferença estatística considerável entre os grupos.
O tempo de duração do estudo também pode ser considerado curto, o que de certa forma acabou limitando os resultados e as evidências trazidas pelo mesmo. Contudo, apesar dessa limitação numérica, este é um dos poucos estudos que avaliaram especificamente pacientes em assistência domiciliar e a amostra refletiu bem o perfil dos pacientes dos pacientes assistidos, em sua maioria idosos, com múltiplas comorbidades, uso de dispositivos invasivos e polifarmácia. Ademais, no que diz respeito ao pareamento realizado entre os grupos do estudo em questão, nem todos os casos conseguiram ser pareados com dois controles correspondentes, devido a ausência de pacientes que se adequavam aos quesitos necessários.
Para os futuros projetos desenvolvidos acerca do mesmo tema, fica como sugestão obter uma amostra maior de conveniência e que os mesmos possam abranger um período de tempo maior, afim de chegar a resultados que apresentem diferenças estatísticas mais significativas.
CONCLUSÃO
Foi observado que o desenvolvimento de pneumonia broncoaspirativa, no que diz respeito ao perfil sociodemográfico da amostra, está relacionado ao aumento da idade e a presença de algumas comorbidades, principalmente as doenças neurodegenerativas.
Além disso, os fatores preditivos independentes para essa infecção respiratória foram: Alteração do nível de consciência e uso de inibidores de bombas de prótons e antagonistas do receptor H2 da histamina. Com isso, é valido ressaltar a importância de se ter conhecimento dos fatores de risco relacionados a essa doença que possui alta prevalência entre os pacientes de “Home Care”, para desenvolver estratégias e medidas preventivas mais eficazes e, assim, garantir os cuidados mais adequados para os pacientes dessa modalidade.
REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Ministério da saúde. Gabinete do ministro. Portaria nº 825, de 25 de Abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. Diário oficial da união, Brasília, DF, abril de 2016.
2. Universidade de São Paulo. Faculdade de Saúde Pública, M. R., Associação Paulista de Saúde Pública, C. M., Oliniski, S. R., & Truppel, T. C. Atenção à Saúde no domicílio: modalidades que fundamentam sua prática. Saúde e sociedade. Saúde e Sociedade. 2006; 15: 88–95.
3. Silva, K. L., Sena, R., Araújo Leite, J. C., Terenzi Seixas, C., & Martins Gonçalves, A. Internação domiciliar no Sistema Único de Saúde. Revista de Saude Publica. 2018; 39(3): 391–397.
4. Andrade, A., Brito, M., Silva, K., Randow, R., & Montenegro, L. the Home Care Job and Its Peculiarities: Impressing a New Health Care Logic. Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental Online. 2013; 5(1): 3383–3393.
5. Silva, A. R. A. da. Infecções relacionadas à assistência domiciliar (home care) e em unidade de tratamento intensivo pediátricos. 2010; (PG-78-78), 78.
6. AHCA, H. APIC – HICPAC Surveillance Definitions for Home Health Care and Home Hospice Infections. 2008 Feb. 2–13.
7. Son, Y. G., Shin, J., & Ryu, H. G. Pneumonitis and pneumonia after aspiration. Journal of Dental Anesthesia and Pain Medicine. 2017; 17(1): 1–12.
8. Jain V, Bhardwaj A. Pneumonia, Pathology. [Updated 2018 Sep 19]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing. 2018 Jan.
9. Kalil, A. C., Metersky, M. L., Klompas, M., Muscedere, J., Sweeney, D. A., Palmer, L. B., … Brozek, J. L. Executive Summary: Management of Adults with Hospital-acquired and Ventilator-associated Pneumonia: 2016 Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the American Thoracic Society. Clinical Infectious Diseases. 2016; 63(5): 575–582.
10. Corrêa, R. D. A., Lundgren, F. L. C., Pereira-Silva, J. L., Frare e Silva, R. L., Cardoso, A. P., Lemos, A. C. M., … da Rocha, R. T. Brazilian guidelines for community-acquired pneumonia in immunocompetent adults – 2009. Jornal Brasileiro de Pneumologia: Publicacao Oficial Da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisilogia. 2009; 35(6): 574–601.
11. Brasil. Ministério da saúde. Sistema de informação de internação hospitalar. Disponível em: www.tabnet.datasus.gov.br. Acessado em: 15 de setembro de 2018.
12. Lanspa, M. J., Peyrani, P., Wiemken, T., Wilson, E. L., Ramirez, J. A., & Dean, N. C. Characteristics associated with clinician diagnosis of aspiration pneumonia: a descriptive study of afflicted patients and their outcomes. Journal of Hospital Medicine. 2015; 10(2): 90–96.
13. Dibardino, D. M., & Wunderink, R. G. Aspiration pneumonia: A review of modern trends. Journal of Critical Care. 2015; 30(1): 40–48.
14. Mandell, L. A., & Niederman, M. S. Aspiration Pneumonia. New England Journal of Medicine. 2019; 380(7): 651–663.
15. Marrie TJ, Durant H, Kwan C. Nursing home‐acquired pneumonia: A case‐control study. J Am Geriatr Soc. 1986; 34: 697-702.
16. Marik, E. P. ASPIRATION PNEUMONITIS AND ASPIRATION PNEUMONIA. 2001; 344(9): 665–71.
17. Xu, Z., Gu, Y., Li, J., Wang, C., Wang, R., Huang, Y., & Zhang, J. Dysphagia and aspiration pneumonia in elderly hospitalization stroke patients: Risk factors, cerebral infarction area comparison. Journal of Back and Musculoskeletal Rehabilitation. 2018; 1: 1–7.
18. Marik, E. P. Kaplan D. Aspiration pneumonia and dysphagia in the elderly. 2003; 124(1): 328–36.
19. Adnet, F., & Baud, F. Relation between Glasgow Coma Scale and aspiration pneumonia. The Lancet. 1996; 348(9020): 123–124.
20. Takahashi M, Shirai S, Sawayama C, Watanabe F, Ohchiri M, Fujii M et al. Constipation and aspiration pneumonia. Geriatr Gerontol Int. 2012; 1: 570–571.
21. Rumi Khajotia and Kersi R Khajotia. “Aspiration Pneumonia in Patients with a Tracheostomy Tube”. EC Pulmonology and Respiratory Medicine (2018) 7.7: 458-459.
22. Kitamura T, Nakase H, Iizuka H. Risk factors for aspiration pneumonia after percutaneous endoscopic gastrostomy. Gerontology. 2007; 53: 224–227.
23. Tomioka H, Yamashita S, Mamesaya N, Kaneko M. Percutaneous endoscopic gastrostomy for aspiration pneumonia: A 10-year single-center experience. Respir Investig. 2017; 55: 203–211.
24. Green SM, Mason KP, Krauss BS. Pulmonary aspiration during procedural sedation: A comprehensive systematic review. Br J Anaesth. 2017; 118: 344–354.
25. Lambert AA, Lam JO, Paik JJ, Ugarte-Gil C, Drummond MB, Crowell TA. Risk of community-acquired pneumonia with outpatient proton-pump inhibitor therapy: A systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2015; 10: 1–18.
26. Van der Maarel-Wierink CD, Vanobbergen JNO, Bronkhorst EM, Schols JMGA, de Baat C. Risk Factors for Aspiration Pneumonia in Frail Older People: A Systematic Literature Review. J Am Med Dir Assoc. 2011; 12: 344–354.
27. Oi I, Ito I, Tanabe N, Konishi S, Hamao N. Cefepime vs. meropenem for moderate-to-severe pneumonia in patients at risk for aspiration: An open-label, randomized study *. Journal of Infection and Chemotherapy. 2019.
28. Noguchi S, Yatera K, Kato T, Chojin Y, Fujino Y, Akata K, et al. Impact of the number of aspiration risk factors on mortality and recurrence in community-onset pneumonia. Clin Interv Aging. 2017; 12: 2087–94.
29. Taylor, J. K., Fleming, G. B., Singanayagam, A., Hill, A. T., & Chalmers, J. D. Risk factors for aspiration in community-acquired pneumonia: Analysis of a hospitalized UK cohort. American Journal of Medicine. 2013; 126(11): 995–1001.
NUPEC, estimulando a produção de conhecimento
O estudo foi realizado em conjunto com o NUPEC – Núcleo de Pesquisa e Ensino Científicos, o qual fomenta atividades de pesquisa na instituição a fim de promover conhecimento e melhorias nos processos na área de home care.
O NUPEC está em constante interlocução com público interno e externo (instituições de ensino e pesquisa), tendo como pilares a ética nas relações e a inovação científica para otimização da assistência, promoção de saúde e qualidade de vida do paciente, cuidadores e profissionais de saúde.
A produção de estudos coordenada pelo núcleo está orientada para 03 linhas macro de pesquisa:
- Assistência Clínica: abrange estudos direcionados ao cuidado técnico e à relação estabelecida entre a equipe profissional e o paciente e/ou familiar assistido.
- Inovação e Qualidade: desenvolvimento e aprimoramento de recursos terapêuticos. Incluem-se nessa linha de pesquisa as ações e os métodos para gestão de riscos em ambiente domiciliar e organizacional.
- Gestão Organizacional: processos organizacionais, gestão de pessoas, relações de trabalho e saúde do trabalhador.